História de família – Bevilácqua
Itália, no final do século XIX uma grave crise assola a economia italiana, devido a vários fatores: unificação da Itália, crescimento demográfico demasiado, sucessivas guerras, avanço das comunicações, e principalmente a Revolução Industrial, que fez com que os produtos agora industrializados, tivessem os preços reduzidos, e isso foi destruindo o trabalho artesanal e atingiu os pequenos agricultores, pois grandes extensões de terras, ficaram na mão de alguns poucos.
Para a obtenção de recursos para que obras públicas fossem realizadas, como ferrovias, o governo italiano usou de medidas que desagradou o povo, como, por exemplo, o imposto sobre a farinha de trigo, que atingiu duramente os pobres. Os cereais vindo das Américas chegava na Itália com o preço mais baixo que o praticado ali. A indústria vinícola também foi atingida, com o aumento dos impostos praticados pela Itália, fez com que a França, grande importadora do vinho italiano, também taxasse o vinho na sua entrada neste país, assim o vinho que era exportado da Itália para a França, caiu de 300 milhões de litros em 1.887, para 1,9 milhão em 1.890. Para o pequeno agricultor italiano já não havia esperanças de um futuro melhor, apenas sobreviviam, mesmo conhecendo avançadas técnicas de produção, trabalhavam para comer, para não morrer da fome, de miséria de pobreza que invadia seus lares e suas vidas. Trabalhavam no sistema de as meias ou arrendamento, e a única fonte de alimentação era o milho, a conhecida polenta, mas a fraqueza e a desnutrição faziam com que muitos adoecessem de malária ou pelagra (avitaminose causada pela dieta exclusiva do milho), então tentavam a sorte grande de vir para a América, pois só queriam alimentar e criar suas famílias, só queriam viver com dignidade, como diziam eles; com pão e paz.
Brasil, final do século XIX, com a abolição dos escravos, havia a necessidade de mão de obra na lavoura de café, açúcar e borracha principais produtos exportados pelo Brasil, e para colonizar extensas áreas de terra, houve uma grande movimentação por parte do governo brasileiro para que a então jovem República se desenvolvesse, crescesse e progredisse. O Brasil foi mostrado lá fora como o paraíso, cartazes, livros, folhetos e fotografias foram espalhados por toda a Europa. Os italianos querendo sair da penúria em que viviam tentaram a sorte neste novo país. As passagens eram financiadas pelo governo brasileiro e as promessas de salário, moradia, alimentação e principalmente a possibilidade de se ter um pedaço de terra, encantou os italianos, e quem preenchesse os requisitos exigidos (casais jovens e de preferência com muitos filhos, ou com a disposição de ter muitos filhos aqui, pois o Brasil precisaria de trabalhadores), estariam aptos a viajarem.
Quando foi Proclamada a República no Brasil, as terras devolutas passaram a ser do governo, e eram essas terras que eram prometidas aos colonos italianos, tais terras deveriam ser pagas num prazo de até cinco anos, mas sabe-se que muitos receberam por doação tais terras, recebiam ainda alguns instrumentos de trabalho e ajuda na alimentação para se manterem os primeiros tempos.
E neste contexto, milhares de italianos provenientes, primeiramente do norte de Itália, onde a industrialização se desenvolveu primeiro, Treviso, Vicenza e Verona, vieram para o Brasil e mais tarde pessoas do sul e também várias outras regiões. Embarcavam nos portos de Gênova, Nápoles e Palermo, alguns embarcavam em portos estrangeiros, mas todos com destino ao Brasil.
Os navios que vinham estavam sempre lotados podiam transportar até mil ou mais passageiros, com as embarcações à vela a viagem durava até 60 dias, quando os navios a vapor surgiram, modernos nesta época, esta viagem era feita em 20 ou 30 dias. Vinham sempre de terceira classe, nos porões ou na proa expostos ao tempo. Nos compartimentos utilizados pelos imigrantes, havia má higiene devido à quantidade de pessoas, ali nasciam bebês e também muitas vezes morriam, era muito alto o índice de mortalidade infantil. Doenças por contágio como cólera e varíola se transformavam em verdadeiras epidemias nesses navios, e muitas vezes para abreviar o sofrimento dos doentes sem chance de sobrevivência, eram enrolados, ainda com vida em lençóis, e atirados ao mar, mesmo destino das pessoas que ali morriam, esses eram os navios ditos e anunciados como muito “confortáveis”, antes do embarque dos aventureiros.
Eram pobres e humildes, mas cheios de coragem, por deixarem o pouco que possuíam, família e amigos, e enfrentar a travessia onde muitos morriam quer por doenças ou naufrágio das embarcações, para vir em busca de uma vida melhor, sempre sem saber o que os esperavam, mas quase sempre o futuro aqui era tão sombrio como na sua Itália. Traziam braços para o trabalho, roupas velhas e surradas, ideais, honestidade, confiança no trabalho, empenho no que se propunham fazer, seriedade e o mais importante, o amor aos seus semelhantes.
E dentro desta história, encontram-se os personagens principais de uma “grande história” a “nossa história”. Província de Verona, San Giovanni Ilarione, berço de nossos antepassados, ano de 1.876, casaram-se os então jovens Giovanni Battista Bevilacqua e Catharina Demarni cujo futuro também estaria comprometido devido a toda a crise que acontecia neste momento em toda a Europa. Alguns anos depois de seu casamento resolvem buscar uma vida melhor, partem para fazer a “Mérica” , cheios de coragem e sonhos, juntam suas poucas coisa materiais e seus maiores valores, seus filhos, e partem para o Brasil. Entraram este país, pelo porto de Rio de Janeiro em 01 de fevereiro do ano de 1896, e viajaram de Rio de Janeiro para Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a bordo do navio “Planeta”, com destino a Alfredo Chaves (hoje Fagundes Varela), conforme documentos conseguidos junto ao Projeto Imigrante. De lá partiram rumo a Nova Bassano, de carroça puxada por mulas, onde se estabeleceram ao receber 10 alqueires de terras do então governador da Província Borges de Medeiros. Ali criaram seus filhos, alguns vindos da Itália: Benedito, Crispino (Crespim), (Esperança; quem era Esperança? Seria a Maria?), Maria e Domenico (Domingos), os outros nascidos aqui no Brasil: Ernesto, Marcos, Ângelo, Elisabeta, João Batista e Ângela.
Foi em 08 de julho de 1925, que Giovanni Battista, agora João Baptista, veio a falecer, na linha Benjamim Constante/Nova Bassano e seu sepultamento ocorreu no cemitério de Nova Bassano. Faleceu aos 80 anos de idade, e já estava viúvo de Catharina nesta data.
E hoje. . .Seus descendentes buscam o elo perdido, ou seja, um diálogo entre o passado e o presente, portas que ligam a história de cada um, às vezes encontram-se fechadas, é como se de repente tudo ficasse embaçado não mais as visualizássemos ficam encobertas e, está muito difícil tentar abri-las, uma pergunta sempre leva a outra e outras, e as respostas são poucas e insuficientes. Talvez pela tristeza e a dificuldades desse povo, eles não lembravam a Pátria com palavras, pensavam no impossível retorno de muitos, então foram se fechando e essas lembranças hoje para nós tão caras, estão em algum local obscuro e por vezes impossível de encontrá-las. O que se constata com tristeza, é a precariedade de documentos, é como se o passado tivesse sido enterrado, aos poucos e involuntariamente junto aos restos mortais destes corajosos aventureiros, à medida que iam morrendo, e não deixavam ninguém com conhecimento de causa suficiente para passar adiante sua história e hoje nossa história. E é na tentativa de reconstruir essa história, e conhecer as nossas raízes, e também ao mesmo tempo perpetuar a memória de nossos antepassados, que em janeiro de 2.006 estará sendo realizado o 1º Encontro dos descendentes de Givanni Battista Bevilacqua e Catharina Demarni Bevilacqua, na cidade de Nova Bassano RGS. Local que os acolheu e viu seus filhos, alguns nascerem e todos crescerem e várias gerações saírem e se espalharem por todo o sul do Brasil.
Escrever esta história, esta sendo um desafio nada fácil, pois a reconstrução é quase impossível, pois são fatos que chegam até nós dispersos, histórias contadas por nossos pais, ou nonos e alguns poucos documentos, pois a memória de quem vivenciou os fatos já não existe mais há várias décadas, temos indícios, sínteses, mas os detalhes se perderam pelos caminhos por eles trilhados. Tentaremos resgatar o passado dos que nos precederam, pois é a base sólida do que somos e ao mesmo tempo vai preparar o caminho dos que virão depois de nós, nossos filhos e netos, transmitindo a eles o que recebemos em nossa formação.
E em nome dos bens a nós deixados: não a foice, o machado, o facão, a enxada, o arado, ou os sacos e baús trazidos por eles de sua Itália, sacos e baús cheios de esperanças e sonhos, que muitas e muitas vezes se transformaram em pesadelos, tentaremos fazer com que fiquem cheios sim, não mais de esperanças e dúvidas, mas de saudades, lembranças e certezas. Bens como cultura e tradição, e valores como o amor pela vida, ao trabalho quase sempre duro destes aguerridos, batalhadores, verdadeiros guerreiros, homens e mulheres de caráter firme e bem formado, mulheres heroínas e companheiras, esteio de seus maridos aventureiros, fiéis e leais a seus valores por mais humildes que fossem, também fazem parte de nossa herança, nossa história.
Deles e que aprendemos valores primordiais em nossas vidas, o trabalho, a paciência, a família a religiosidade e o amor a terra. Para eles a terra representava a redenção econômica, a liberdade, a possibilidade de ascensão social. O seu pedacinho de terra significava uma grande conquista, e esse sentimento nos foi passado através de nossos pais ou avós. Cada um deles soube dignificar com o suor de seu trabalho o seu pedaço de terra. Chegaram aqui italianos, mas se tornaram brasileiros através de seus descendentes, houve uma verdadeira integração étnica e cultural, italianos brasileiros e brasileiros italianos.
A partir da terra o trabalho adquire uma nova dimensão, pois ela se constitui numa fonte de liberdade, dignidade humana e respeitabilidade perante a sociedade e a vida, verdadeira síntese de todas as virtudes humanas. E só depois de conhecermos nossa história é que saberemos quem verdadeiramente somos.
Fonte: Família Beviláqua
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