Minha Nona uma Mulher Singular – por Líria Todeschini
Minha Nona Uma Mulher Singular
Dosolina. Deveria ser com Z, mas o nome de minha tia é com “s” mesmo. Isso aconteceu depois do seu casamento. “Os escrivães entendem de ortografia”
História de minha família recontada por Dozolina. Contada por tio Olímpio.
Então…
Meu nono se chamava João Bevil’ácqua.
Há muito tempo atrás, Dosolina ainda não existia. Meu avó o João Bevil’ácqua morava na colônia em Nova Bassano, cidade pequena, quase tudo colonia por lá. Vovozinho foi tomar sua cachacinha no bar.
Foi a cavalo, o único meio de transporte que tinham.
Lá pelas tantas da tarde ou noite adentro, só Deus sabe, a cachacinha Começou a fazer efeito e o noninho estava “bebadozinho”…
O “dono da bodega” (assim se chamavam os bares que também vendiam secos e molhados) vendo a situação favorável faz uma proposta ao vulnerável cliente – Vovô:
– Vamos trocar essa bodega e meu terreno aqui da cidade pelas tuas terras.
Ora, as terras de João Bevil’ácqua eram grandes, uma colônia e meia.
Tio Olímpio conta que no bar tinha uma meia dúzia de garrafas de cachaça.
Então… Sem pensar muito vovó concordou.
Admirado, o enganador ainda foi mais adiante:
– Quem quebrar esse acordo, deverá pagar ao outro 5 mil contos de réis.
O canalha chegou ao ponto de chamar o escrivão no local, para firmar os papéis e assinaram “solenemente” em frente à testemunhas.
No dia seguinte, com a cabeça fresca, lembrou-se da “cagada” que fez, palavra de tia Dozolina.
Estava nisso, no desespero, caminhando pra frente e para trás e vieram os amigos, as testemunhas .
– Que é que você fez Bevil’ácqua?
Quanta dor. Quanta angústia… Ai surgem ideias para reverter a situação. Todo mundo palpita mas não vão a lugar algum…
A mulher nossa nonna – “benditas mulheres”, achou uma solução razoável. Diz ela:
– Vamos falar com o Domingos Todeschini na cidade – Domingos era um homem amigo e com instrução, ele tinha um mercado completo com tecidos, comida e tudo o que uma pessoa possa precisar. E lá foram vovô e vovó.
Depois de ouvir atentamente a história , com um pouco de pensar o bom homem, visualiza a solução e afirma:
– Dona Regina (a nonna), nunca assine esse contrato, pois como sabemos precisamos da assinatura dos dois e se não assinar ele perde a validade.
Assim saíram mais tranquilos, porque estava tudo resolvido…
Quando procurada para assinar , noninha fez todo tipo de escândalo que se possa imaginar dizendo que não assinaria de jeito nenhum.
Na ocasião, nona estava grávida, “de barrigão”! Outra palavra de tia Dozolina.
Ao recusar-se tão veementemente, as autoridades foram chamadas e ela foi levada para a cadeia da cidade.
Nessa época, as mulheres costumavam obedecer seus maridos e nesse caso NÃO era nada conveniente obedecer.
A nona disse:
– Mesmo que me coloquem num poço fundo eu com meu braço levantado continuarei abanando negativamente NÃO, NÃO e NÃO.
E assim a história prosseguia.
Como ela estava sentada em uma cadeira e não levantava… Os homens levaram a nonna e a cadeira até a cidade.
No caminho Dona Regina virava a cabeça de lado para outro e repetia – NÃO, NÃO e NÃO…
Colocaram uma mesa cheia de comida perto da cela onde vovozinha barriguda nos seus últimos dias de gravidez se encontrava e instigaram-na dizendo:
– Te daremos de comer depois que assinares.
E obtiveram como resposta.
– Aqui, morrerei….
Depois de bênçãos e blasfemas, trancos e barrancos soltaram-na.
Lá se foi o dia inteiro sem comer.
O nono limitava-se a dizer:
– Não tenho culpa. Ela que não quer assinar.
Assim desistiram e rasgaram os papéis.
Voltando para casa, o nono dizia:
– Muito obrigado tu nos salvaste
Aí ai ai… Mulheres!
Fazendo a melhor parte da história.
A mulher sempre presente e fazendo a diferença
Minha nona foi uma mulher singular
Liria Todeschini – nossa super escritora!!!
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